Respondendo protestantes - teotokos e o nestorianismo

Esse é o primeiro quadro da série “respondendo protestantes”, onde eu pego os comentários de um protestante xingando a Igreja Católica e respondo ponto a ponto. Antes de prosseguir, é de bom tom pedir de antemão o perdão dos leitores por eventuais comentários ácidos que podem vir a serem proferidos ao tratar de determinados temas, já que é um quadro mais informal, e também pedir perdão por eventuais comentários grosseiros que eu eventualmente possa trazer para discutir sobre, a partir de uma visão apologética prática.

O convidado de hoje eu vi neste vídeo, e é um sujeito que se autodenomina “Merson Apologética” que comentou de forma áspera um vídeo onde uma garota fala sobre sua experiência religiosa pessoal de conversão. Sem entrar em detalhes sobre o testemunho de fé da garota, já que não vem ao caso, vamos ver o que ele tem a dizer:

Quero fazer uma pergunta para todos os Católicos que dizem ter entendido o Protestantismo como confissão de Fé e tornou - se católicos Romanos. Como pode um católico ser salvo, pelo Cristo da revelação, sendo que a sua fé não depende absolutamente de Crer em Cristo? Para ter uma fé Católica, Romana, precisa crer como dogma que o Papa é o sucessor de Cristo na terra e infalível no seu excathedra; precisa crer que Maria é medianeira  e Mãe do Jesus Divino sendo que ela gerou o Jesus humano, porque o Jesus Divino já existia antes da fundação do mundo. Então, respeitosamente, quero afirmar que a confissão de fé Católica Romana não é fundamentada na Verdade, porque somente Jesus é o mediador entre Deus e os pecadores, somente Jesus é o Homem infalível, somente com minha fé absolutamente Nele não entrarei em condenação. O Jesus Divino tem um Pai Eterno e não uma mãe serva de Deus, porém pecadora. Abraços 🤝

Como ele fez perguntas a todos os católicos, me sinto no direito de o responder como eu bem desejar, certo? Então, ignorando a dificuldade que um “mestre da apologética” tem em utilizar corretamente vírgulas e espaços (que é notável ao analisar a postagem original ao invés das citações do texto abaixo), decidi me debruçar sobre o argumento deste e discutir cada afirmação de forma  separada, para que seja possível descobrirmos se esta é a refutação final e absoluta ao catolicismo romano ou se é simplesmente uma série de comentários maldosos a respeito da fé católica.

Como pode um católico ser salvo, pelo Cristo da revelação, sendo que a sua fé não depende absolutamente de Crer em Cristo?

A sua fé também não, existe uma penca de mandamentos em toda a Bíblia do que não fazer para não ir para o Inferno, além da carta de Tiago, que deixa bem claro que a fé sem obras é uma fé morta. Ou essa parte você esqueceu de ler na Bíblia?

Além disso, Cristo edificou uma Igreja, não muitas, apenas uma, usando Pedro e os apóstolos para tal. Se não fosse pra a gente seguir esta Igreja, que é a legítima sucessora da Igreja primitiva, então Ele não teria fundado Igreja nenhuma. Até mesmo as Igrejas Ortodoxas, separadas da Igreja Católica por mil anos, ainda mantém certo nível de comunhão, de forma imperfeita, com Roma, formando um corpo místico, que é a união que as legitima. Agora, se pegarmos o Ministério Jimmy Swaggart, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Igreja Batista e a Assembleia de Deus, que tipo de unidade existirá entre elas, se nem mesmo creem em coisas semelhantes?

Para ter uma fé Católica, Romana, precisa crer como dogma que o Papa é o sucessor de Cristo na terra  e infalível no seu ex cathedra

Para ter uma fé católica você precisa crer que o Papa é o Vigário de Cristo, seu representante na Terra, e infalível ex cathedra para definir doutrina, e não em um sentido geral, tanto que a própria patrística não coloca um papa como acima dos demais bispos da Igreja.

precisa crer que Maria é medianeira e Mãe do Jesus Divino sendo que ela gerou o Jesus humano, porque o Jesus Divino já existia  antes da fundação do mundo

Isso se chama nestorianismo, e é uma heresia dos primeiros séculos da Igreja, refutada por Cirilo de Alexandria. Na doutrina nestoriana, as duas naturezas de Jesus (a humana e a divina) poderiam se contradizer, ou até mesmo entrar em conflito interno, por não terem uma união hipostática, o que vai contra os princípios bíblicos sobre uma casa não se levantar contra si mesma. Isso tornaria Jesus falível como humano, e permitiria que Deus, eventualmente, errasse. Enquanto isso, a doutrina ortodoxa católica (tanto romana quanto ortodoxa), bem como a grande maioria das igrejas protestantes, creem na união hipostática, onde há duas naturezas em Cristo, a humana e a divina, mas apenas uma pessoa neste, que é a pessoa divina. Sendo Maria mãe da pessoa de Cristo, ela se torna, por consequência, mãe do Cristo por inteiro, e não apenas de parte do mesmo.

O que a Igreja Católica crê sobre o tema é o que tem no Catecismo Maior de São Pio X, terceiro artigo do Credo, itens 87, a 91 e 93 a 95:

Fazendo-se homem, o Filho deixou de ser Deus?

Não. O Filho de Deus se fez homem sem deixar de ser Deus.

Então Jesus Cristo é Deus e homem ao mesmo tempo?

Sim, o Filho de Deus encarnado, Jesus Cristo, é Deus e homem ao mesmo tempo, perfeito Deus e perfeito homem.

Então há duas naturezas em Jesus Cristo?

Sim, em Jesus Cristo, que é Deus e homem, há duas naturezas: a divina e a humana.

Haverá em Jesus Cristo duas pessoas, a divina e a humana?

Não. No Filho de Deus feito homem há uma só Pessoa, que é a divina.

Quantas vontades há em Jesus Cristo?

Em Jesus Cristo há duas vontades, uma divina e outra humana.

O Filho de Deus e o Filho de Maria Santíssima são a mesma pessoa?

O Filho de Deus e o Filho de Maria Santíssima são a mesma Pessoa, isto é, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

A Virgem Maria é Mãe de Deus?

Sim, Maria Santíssima é Mãe de Deus, porque ela é a Mãe de Jesus Cristo, que é verdadeiro Deus.

De que maneira Maria se tornou a Mãe de Jesus Cristo?

Maria tornou-se Mãe de Jesus Cristo unicamente por obra e poder do Espírito Santo.

Não se pode separar as duas naturezas de Cristo, unidas através de união hipostática, em duas pessoas diferentes, pois existe apenas uma pessoa, a pessoa divina de Jesus. Desta forma, Maria não é mãe de uma natureza, mas de Jesus por inteiro, assim como sua mãe não é mãe apenas de seu corpo físico, mas de você inteiramente, e é por isso que damos a ela o título de Theotokos. Ainda, como dito pelo site Universo Paulinas, Cirilo de Alexandria defendeu em Éfeso que o Verbo assumiu natureza totalmente humana. O Verbo não assume a natureza humana da mãe, mas, na mãe, o Verbo se torna homem, e, portanto, ela é a mãe de Deus, a mãe do Verbo encarnado.

Porém, alguns protestantes na atualidade andam ressucitando as mais diferentes heresias apenas para contrariar algum dogma católico diferente, ou mesmo para se diferenciarem até das outras protestantes, como foi o caso dos testemunhas de Jeová ao ressucitarem o arianismo ou dos adventistas ao se tornarem os judaizantes que Paulo condenou em seus escritos, o que é uma lástima à fé cristã por ter, em certas vertentes, se corrompido com o cálice das heresias da antiguidade.

Então, respeitosamente, quero afirmar que a confissão de fé  Católica Romana não é fundamentada na Verdade,

Ia pedir para provar, mas ele provavelmente nunca conseguiria, assim como os adventistas não conseguiram provar que o Papa é o anticristo e os testemunhas de Jeová não  conseguiram provar nem que sua Bíblia é boa e nem que a transfusão de sangue é proibida. A fé romana é baseada na verdade, e é historicamente e biblicamente comprovável. O avanço da fé romana se dá ainda na época apostólica (Romanos 1:8-10):

Primeiramente, dou graças a meu Deus, por meio de Jesus Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é preconizada a vossa fé.

Pois Deus, a quem sirvo em meu espírito, anunciando o Evangelho de seu Filho, me é testemunha de como vos menciono incessantemente em minhas orações.

A ele suplico, se for de sua vontade, conceder-me finalmente ocasião favorável de vos visitar.

A Bíblia de Estudo do Expositor (Ministério Jimmy Swaggart) admite que o trecho se refere ao Império Romano em sentido literal, e o Novo Testamento (edição Vida do Pai), embora tendo o trecho traduzido como “porque as notícias da sua fé são proclamadas no mundo inteiro”, mantém o sentido de que a fé de Roma ainda é essencial para a evangelização do mundo. A Bíblia Sagrada (Edição Pastoral), em suas notas de rodapé, também fala sobre a intenção de Paulo de se reunir com os romanos para obter auxílio (não necessariamente financeiro) para auxiliar outros cristãos em outras partes do mundo antigo:

A intenção de Paulo é ir a Roma para trocar idéias e experiências sobre o Evangelho, compartilhando assim a fé comum. Deseja também «recolher algum fruto», isto é, talvez fazer uma coleta em favor dos cristãos necessitados de Jerusalém (15,26-27)

A patrística também atesta a existência de algo especial (a primazia) em relação à Roma. Observe o que Clemente de Roma diz aos Coríntios (Carta aos Coríntios 59:1):

Se alguns desobedecem ao que nós lhe dissemos da parte de Deus, saibam eles que estão incorrendo em falta e não poucos perigos.

Observe também a relação de submissão de Inácio de Antioquia em sua carta aos Romanos (Introdução):

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu a misericórdia, por meio da magnificência do Pai Altíssimo e de Jesus Cristo, seu Filho único; à Igreja amada e iluminada pela bondade daquele que quis todas as coisas que existem, segundo fé e amor dela por Jesus Cristo, nosso Deus; à Igreja que preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai; eu a saúdo em nome de Jesus Cristo, o Filho do Pai.

Agora veja a opinião de Irineu de Lião (Contra as Heresias III - 3:2), principal pensador cristão (e não apenas católico) a refutar o gnosticismo, seguidor de Policarpo de Esmirna (que foi discípulo direto de João Evangelista) e testemunha mais antiga da canonicidade dos quatro Evangelhos como os temos hoje, sobre a primazia de Roma:

Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos.

Desta forma, não se pode dizer simplesmente que a fé romana não tem embasamento nenhum, e que não é sustentada pela verdade, pois a fé romana é elogiada até mesmo nas escrituras, e a primazia é reconhecida na Patrística e na história eclesiástica. Até é possível usar a argumentação de Lutero para afirmar que a Igreja Católica se desviou parcial ou totalmente de suas origens em algum momento, porém não é possível simplesmente afirmar que ela não é sustentada na verdade, muito menos afirmar que sua autoridade não é embasada pela igreja primitiva.

porque somente Jesus é o mediador entre Deus e os pecadores, somente Jesus é o Homem infalível,  somente com minha fé absolutamente Nele não entrarei em condenação.

E isso não refuta em nada a Igreja Católica ou a santa fé romana. Inclusive, o Vaticano tem esse textinho comentado e baseado na Bíblia explicando sobre o corpo místico de Cristo, recomendo a leitura.

O Jesus Divino tem um Pai Eterno e não uma mãe

A negação da maternidade divina de Maria implica em uma contradição com os relatos bíblicos da encarnação de Cristo, implicando no Verbo não ter se feito carne, então os Evangelhos estariam mentindo, o que faz sua Sola Scriptura cair por terra, já que a Bíblia seria falsa, não servindo como sustentáculo da verdade eterna, simples assim. E preste atenção, o Verbo se fez carne, não vestiu carne, nem adotou uma carne, Ele se fez carne. As naturezas são distintas, mas não separáveis, e isto é a união hipostática de Cristo, que é totalmente homem e totalmente Deus, porém a pessoa de Cristo é uma só, o homem Jesus Cristo. Negar a maternidade de Maria é o tipo de coisa

Inclusive, vejo até de forma cômica a fixação de algumas vertentes protestantes sobre a figura de Maria, e a tentativa de a reduzir, já que isso é um fenômeno bem recente. Os pais reformadores, como Martinho Lutero e João Calvino, possuíam grande admiração por Nossa Senhora, e ambos lhe davam grandes elogios e honras, dizendo sobre o quanto que seria impossível darmos as devidas honras a esta mulher tão amada por Deus, e que, depois das três pessoas da Trindade, é a joia mais preciosa da Igreja. Na verdade, por minha experiência pessoal com os luteranos, posso afirmar que o protestantismo tradicional até hoje possui uma grande reverência com a imagem de Maria, mesmo que não pratiquem o culto de dúlia à ela.

Baseado em tudo isso, podemos imitar São Cipriano de Cartago e dizer extra ecclesia nulla salus, e seguirmos nossas vidas, afinal, deste cavalheiro não tiramos a refutação ao catolicismo em forma de questionamento que achávamos que veríamos.

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