Então o Papa é o Anticristo?

Então o Papa é o Anticristo?

Esse aqui é polêmico, porque é propagado desde a Ellen “Tijolo” White, mas vamos lá. Essa teoria afirma que o Papa (não a pessoa do Papa Francisco, e sim o cargo de Papa) seria o Anticristo de Apocalipse, e que Constantino criou o cargo pra poder fincar o paganismo dentro da Igreja de Cristo, transformando deuses romanos em santos e usando a influência de um bispo para subjugar outros.

Essa teoria é a linha principal de análise do livro “O Grande Conflito”, da Ellen White, e seguida por vários outros grupos de protestantes, principalmente entre grupos mais hostis aos católicos, como algumas vertentes da Igreja Batista, além de evangélicos teóricos da conspiração.

O próprio Lutero já percebeu

Alguns usam os Artigos de Smalcald para acusar o Papa de ser o Anticristo, porque neles Lutero afirma em vários momentos que o Papa é o Anticristo. Observe o trecho abaixo, por exemplo:

“O Papa é o Anticristo real que elevou a si mesmo e se definiu contra Cristo [...] Por conseguinte, assim como não podemos adorar o próprio diabo como nosso Senhor ou Deus, não podemos aceitar que seu apóstolo, o Papa ou o Anticristo, nos governe como nosso chefe ou senhor.” (Artigos de Esmalcalde 2:4:10,14).

Entretanto, o termo não é utilizado no sentido do Anticristo profético, e sim daquele que se opõe ao Khristos, ou seja, daquele que se opõe a Jesus, a seus ensinamentos ou aos apóstolos. Isso não necessariamente é verdade, ainda mais se levarmos em conta o sentimento de ódio que Lutero nutria pelo Papa e sua visão enviesada sobre o tema.

Além disso, quem foi Lutero? Um profeta ou apóstolo? Não, Lutero foi um teólogo e pastor, e não alguém necessariamente inspirado pelo Espírito Santo, o tornando falho. Portanto, mesmo que fosse verdade que Lutero via o Papa como o Anticristo profético e não apenas o chamou assim de forma pejorativa, isso ainda não significaria absolutamente nada.

O cargo

Comecemos pelo seguinte: os crentes dessa teoria seguem duas linhas de raciocínio, uma afirmando que o Anticristo seria algo não-personificável, como um princípio maligno, que poderia exercer seu poder através de um Papa ou outro líder, enquanto a outra diz que o Anticristo na verdade é um cargo político e religioso (inclusive falando sobre os “chifres”, que seriam o famoso chapéu papal.

Comecemos pela primeira afirmação, e não, nem em nuda scriptura se encontra qualquer indicativo de que o Anticristo seria um princípio maligno não-materializável, muito pelo contrário, os apóstolos sempre deixaram claro que o Anticristo seria um indivíduo, algo corpóreo, palpável.

O Anticristo deverá ser adorado como um deus (Apocalipse 13:4), coisa que os papas não são. O Anticristo também blasfemará contra Deus (Apocalipse 13:6), coisa que os papas não fazem. Este também terá seu poder enfraquecido até quase se extinguir (uma ferida de morte), mas terá uma “cura”, o reestabelecimento de seu poder (Apocalipse 13:3), e isto não é percebido nem nos piores tempos de apostasia na Igreja.

O número da besta: 666

Alguns dos apologistas adventistas acreditam que na verdade o título de Papa seria um indicativo de que o Papa é o Anticristo por causa da numerologia romana (que é o sistema usualmente usado para identificar o Anticristo), usando como base o nome Vicarius Filii Dei (Vigário do Filho de Deus, em latim). Em suma, o cálculo do valor do nome na numerologia romana consiste em remover todas as letras que não representem um algarismo romano e somar o valor individual de cada algarismo, correspondendo a um número, lembrando que algumas letras são trocadas por outras, devido à características do idioma latim. A letra U vira V, a letra J vira I, a letra W vira duas letras V, e assim por diante.

Agora, calculemos o valor do nome Vicarius Filii Dei:

Cálculo do número de “Vicarius Filii Dei”

Nossa, caramba, agora mesmo a heresia papista cai. Mas será mesmo?

O texto do Apocalipse exige que o Anticristo seja um indivíduo único, e não um cargo, seria muito mais convincente utilizar qualquer um dos reis Luís da França, ou a própria Ellen White de ser o Anticristo ao invés de colocar o Papa nesse papel.

Cálculo do número de Ludovicus
Cálculo do número de Ellen White

O título Vicarius Filii Dei também nunca foi um título papal oficial, sendo que a maioria se chama de “Vigário de Jesus Cristo”, “Bispo de Roma”, “Servo dos Servos de Deus”, etc.

A afirmação também não faz sentido ao analisarmos o que exatamente o Anticristo faria. Segundo Apocalipse 13:6-8,15, o Anticristo deveria proferir blasfêmias contra Deus, o que não se verifica na realidade, visto que vários papas, como o próprio Pedro, foram brutalmente martirizados por sua lealdade a Cristo. Além disso, a Besta deveria exigir adoração (latria), e isso é algo que é inadmissível para um Papa. Isso se encaixa muito mais na descrição de Nero (cujo número também era 666) do que na descrição de qualquer papa conhecido, não é mesmo?

Mas o papa aprovou casamento gay

Não, o Papa nunca aprovou casamento gay. Apesar de ter um diálogo aberto e receptivo a fiéis homossexuais, ele não coaduna com suas práticas ou movimentos. Em uma conferência em 2013, Francisco comentou:

O problema é não ter essa orientação [homossexual]. Devemos ser irmãos. O problema é o lobby com esta orientação, ou lobbies de pessoas gananciosas, lobbies políticos, lobbies maçônicos, tantos lobbies. Este é o pior problema.

Francisco também já disse que o homossexualismo é pecado, mas não crime, e que devemos diferenciar os dois:

Não é crime, mas sim um pecado, e devemos diferenciar

O Papa também já se manifestou várias vezes contra o casamento homossexual, como nessa carta para Buenos Aires (e o povo argentino):

Citação do Papa Francisco se opondo ao casamento homossexual na Argentina

Durante seu pontificado, o Papa também manifestou oposição clara ao casamento LGBT. Durante sua visita às Filipinas, Papa Francisco comentou durante uma missa em Manila, referindo-se ao casamento de mesmo sexo:

A família está ameaçada pelos esforços crescentes por parte de alguns para redefinir a própria instituição do casamento. Estas realidades estão cada vez mais sob ataque de forças poderosas que ameaçam desfigurar o plano de Deus para a criação

O Papa Francisco é contrário a consagração de homossexuais. O própro Pontífice disse isso no livro 'The Strength of a Vocation':

A questão da homossexualidade é uma questão gravíssima que deve ser discernida adequadamente desde o início com os candidatos, [...] Nas nossas sociedades até parece que a homossexualidade está na moda e que a mentalidade, de alguma forma, também influencia a vida dos igreja, [...] isso é uma coisa que me preocupa, porque talvez em algum momento não tenha recebido muita atenção, [...] pode acontecer que na época talvez eles não tivessem [essa tendência], mas depois isso sai. [...] Na vida consagrada e sacerdotal não há espaço para esse tipo de carinho. Portanto, a Igreja recomenda que pessoas com esse tipo de tendência arraigada não sejam aceitas no ministério ou na vida consagrada. O ministério ou a vida consagrada não lhe cabe.

Além disso, ainda tem a infame encíclica “Fiducia Suplicans”, que, embora possa levar a engodo, não permite uma bênção à união homossexual em si, mas sim aos integrantes, de forma separada, deixando claro a intenção de fazer com que se arrependam de seus pecados e venham até Deus, nada tendo a ver com permitir que cometam sodomia. Vejamos, pois, um trecho deste pronunciamento oficial sobre o documento:

Alguns Bispos, todavia, exprimem-se em modo particular a respeito de um aspecto prático: as possíveis bênçãos de casais em situação irregular. A Declaração contém a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas, nem ritualizadas) de casais irregulares (não das uniões), sublinhando que se trata de bênçãos sem forma litúrgica, que não aprovam nem justificam a situação em que se encontram essas pessoas.

Esse trecho nos deixa bem clara a intenção do documento anterior, se tratando do famoso “a bênção, padre” quando você encontra um sacerdote. O próprio pronunciamento, tem um tópico inteiro falando que não é verdade que o Papa permitiu casamento gay, inclusive citando trechos do “Fiducia Suplicans” que provam isso:

Explicação teológica da fiducia suplicans

Na verdade, até o Papa mesmo já falou sobre, em entrevista, e disse que era uma bênção não-sacramental comum, do tipo que pode ser dado a todos:

Então não, o Papa nunca defendeu casamento gay dentro da Igreja Católica, apenas disse que eles tinham o direito de se casar civilmente, e mesmo assim ele repudiou várias vezes isso. Se quiserem ler mais sobre a situação delicada entre o Papa e a comunidade LGBT, recomendo o pronunciamento oficial de Jean Wyllys sobre a encíclica relacionada à bênção para LGBTs.

Mas teve um papa mulher, uma violação das leis de Deus

“A grande prostituta”, Bíblia de Lutero

Esse é um ataque que a Igreja recebe há séculos, onde acusam a Igreja de ter tido uma papisa chamada Joana, que teria governado a Igreja no século IX, tido filhos e causado uma grande confusão no Vaticano. Algumas das acusações ainda dizem que a existência dela é a prova de que a Igreja Católica é satânica, pois se trata de uma prostituta (Joana) montada sobre uma besta (Igreja Católica) de sete cabeças (as sete colinas de Roma), carregando um cálice de imundícies (papismo). Não pretendo me alongar sobre neste documento em específico, pois vou falar em um post apenas sobre esse assunto, mas vamos lá.

Em primeiro lugar, eleição de Papa que seria incapaz de assumir o papado, como uma Papisa, um Papa morto, um papa mórmon, um Papa satanista ou um Papa ateu é inválida em sua essência, por isso, mesmo que houvesse uma “Papisa”, ela nunca seria Papa de verdade, o que já anula qualquer objeção sobre o tema.

Em segundo, todas as evidências históricas sobre a existência dessa suposta Papisa datam de no mínimo um século após a sua existência, justamente num período onde vários grupos, como os ortodoxos e os franciscanos, possuíam richas pessoais com o papado e tinham interesses pessoais em destruir a credibilidade do bispo de Roma.

Em terceiro, é dito que a prostituta da Babilônia “se embriagava do sangue dos santos e mártires”, ou seja, matou muitos santos e mártires. Isso nem sequer faz sentido, a Igreja Católica é justamente a com maior número de martírio de membros, e cobra até hoje pelo sangue de alguns, como Joana d'Arc, que Roma cobrou por décadas o sangue dela aos ingleses, ou o sangue derramado dos mártires em campos de concentração nazistas, que impede qualquer tipo de diálogo entre os católicos e esses grupos radicais.

Roma é a cidade das sete colinas, e o Vaticano está em Roma

O Vaticano não está situado na região das sete colinas, mas sim na Colina do Vaticano, à noroeste de Roma. Aliás, o Vaticano não possui quase nenhuma relação com as sete colinas de Roma além de estar próximo à cidade de Roma. Logo, a afirmação não se sustenta.

Mas o espírito do anticristo...

Apenas uma acusação infundada, baseada em versículos desconexos sobre falsas doutrinas (1 João 4:1–3). O mesmo trecho fala sobre negar que Jesus Cristo tenha se feito carne e seja de procedência divina, coisa que o Papa não nega. As escrituras também falam sobre ser um falso profeta (1 João 4:1) quando o Papa nunca tentou profetizar nada, negar que Jesus Cristo tenha vido em carne (2 João 1:7), coisa que o Papa também não nega, e proferir blasfêmias (Apocalipse 13:5), coisa que também não é feito.

Tem várias outras características, mas o Papa não as cumpre, e apenas um ou outro antipapa na história cumpriu-as, logo, não é possível concluir logicamente que o Papa seja algo como o receptáculo do espírito do Anticristo ou algo do tipo.

Conclusão

Não, o Papa não é o Anticristo das profecias, isso aí é coisa da cabeça de adventista.

Para encerrar, recomendo os artigos “O Anticristo”“O Anticristo - 2”, ambos da Veritatis.

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