O argumento mais utilizado contra o espiritismo é que a necromancia é proibida biblicamente, assim como práticas envolvendo conhecimentos ocultos ou controversos. Entretanto, os mesmos possuem sua própria apologética, e dissertam sobre o tema ao serem indagados, colocando a prática como sendo distinta da proibição bíblica da mesma. Tendo em vista tal tópico obscuro, creio que é de bom tom trazer a vós uma breve dissertação sobre o tema.
A apologética espírita
Primeiro, temos que entender a argumentação espírita em torno da necromancia, e sua defesa. A apologética espírita se foca em três pontos essenciais, que são a natureza da proibição da necromancia, a invalidade da lei mossaica e a legalidade da revelação e dos estudos de Kardec, e um resumo mais aprofundado dos argumentos pode ser visto aqui.
A natureza da proibição da comunicação com espíritos, segundo os espíritas,
estaria muito mais relacionada à existência de embusteiros do que, de fato, a
uma proibição real e imutável. Ainda é justificada a “não-proibição” com uma
suposta permissividade implícita da necromancia dada por Moisés por aparecer
diante de Cristo no episódio da transfiguração.
Ainda sobre tal, o blog “Letra Espírita” disserta sobre tal, colocando tal proibição como um “freio” adicionado por Moisés à seu povo, quem, em seu estado primitivo e pouco evoluído, havia deixado de fazer qualquer coisa da vida além de consultar espíritos, enquanto valorizava pessoas que possuíssem tal dom:
Quando abrimos o 5º livro da Bíblia (Deuteronômio), livro atribuído à Moisés, lá no capítulo 12 ele está proibindo que as pessoas busquem o conhecimento da verdade através da pratica da necromancia (prática de buscar conhecimento através dos mortos). Por que? Porque as pessoas não faziam outra coisa. As criaturas não pensavam mais. E isso estava acarretando um prejuízo social. Porque meia dúzia manipulava o povo como se manipulava marionetes. Isso é confirmado quando lemos o livro de Números onde Moisés recebe queixas de Josué que dizia haver dois homens profetizando (usando a mediunidade) nos arredores de Israel. Era Eldade e Medade. Moisés quis saber o que ambos faziam e ele foi informado que estavam curando, orientando, ajudando, etc.. Então, Moisés disse:
-Quem dera todo o povo do Senhor fosse profeta (médium) e que o Senhor pusesse o Seu Espírito sobre ele.
Então, o problema com Moisés não era com o profetismo e sim com o mau profetismo. A exploração do profetismo. Isso vai gerando a ignorância cada vez maior nas pessoas.
Para o espírita minimamente inteirado da apologética de defesa ao espiritismo, como o leitor pode observar, a proibição bíblica de tais práticas é apenas uma tentativa divina de se limitar o indivíduo em estado de ignorância de dedicar toda a sua vida a práticas ocultistas. Mas qual é a veracidade, e, acima de tudo, a validade disso?
Existe essa comunicação? Ou é apenas embuste?
A possibilidade de comunicação existe, como o próprio padre Paulo Ricardo disse, mas não da forma como é pregada pelo espiritismo. A Igreja Católica, assim como diversas igrejas ortodoxas, creem na autenticidade de várias aparições e comunicações de santos, como é o caso de Nossa Senhora (Maria, mãe de Jesus), que apareceu em inúmeros contextos e situações e com inúmeras características distintas. Assim como Paulo Ricardo disse, quem negaria a Deus a possibilidade de enviar quem Ele bem desejasse como mensageiro?
Entretanto, todas essas aparições tem uma característica muito específica em comum: o lado de cá nunca fez o primeiro contato. Todas as comunicações permitidas sempre foram iniciadas por parte divina, e isso vai desde a Bíblia até os dias atuais.
Quando o contato parte do lado humano, a chamada necromancia (comunicação ou adivinhação com espíritos), o contato não é apenas proibido, mas perigoso, e temos não apenas exemplos bíblicos, como também exemplos atuais, vide a obra do grande padre e exorcista Gabriele Amorth.
A proibição vale apenas para embusteiros?
Não, a proibição é absoluta. Toda e qualquer proibição que não fosse absoluta foi esclarecida no Novo Testamento, como cuidados com a alimentação, a obrigatoriedade da circuncisão ou as limitações quanto à relação com os gentios, assim como novas obrigações surgiram, como o batismo, a eucaristia e a perpetualidade e sacralidade do casamento. No entanto, nenhuma reiteração foi feita em relação à proibições de práticas mágicas, ocultistas ou mesmo de comunicação com os mortos, então estas seguem proibidas de forma inquestionável.
A lei mossaica é inválida?
A lei mossaica é inválida na medida do que não faz mais sentido um cristão seguir, pois não apenas estamos no tempo da graça ao invés do tempo da lei como também estamos sob a autoridade da Igreja Católica (dada por Cristo aos apóstolos) ao invés da autoridade rabínica. Porém isso não significa que toda a lei mossaica é dispensável, tanto que não foram abolidos os dez mandamentos, nem suprimidos pecados de Levítico ou Deuteronômio, como a proibição da vingança (Levítico 19:18), amar a Deus sobre todas as coisas (Deuteronômio 6:5), não ser supersticioso (Levítico 19:26) ou as proibições de crimes e delitos sexuais (Levítico 17:7-23), sendo invalidadas completamente apenas as leis cerimoniais e algumas partes da lei comum, como a circuncisão e as regras alimentícias. Isso não significa que somos salvos pela lei, e sim que a mesma pode ser utilizada como indicativo de regra moral para que possamos saber a vontade de Deus acerca de determinados temas.
Portanto, proibições de feitiçaria, sortilégios, necromancia, adivinhações e superstições continuam válidos, bem como os riscos espirituais dos mesmos. Negar isto é negar a infalibilidade bíblica, e é uma estratégia já utilizada pelos espíritas, visto que, segundo o jornal Reformador (Janeiro de 1953, página 23), os mesmos veem a Bíblia como um mero relato cultural, e creem que 90% dela seja questionável ou revogado e sem valor algum.
Moisés queria que todos fossem médiuns?
Não. Primeiramente, Eldad e Medad não praticaram necromancia em momento nenhum, não é dito isso em nenhum lugar das escrituras, assim como Moisés também não fala em mediunidade ou diálogo com os mortos, mas sim no dom da profecia, o dom de revelar coisas futuras e passadas através de Deus, algo que não tem absolutamente nada a ver com espiritismo, que requer o diálogo com um falecido através de invocação dos mortos.
E as sessões espíritas da Bíblia?
Os espíritas clamam como dogma inquestionável de sua fé a “sessão espírita” que Cristo supostamente teria participado no Monte Tabor (Mateus 17:1-8), onde Cristo teria realizado uma sessão espírita e onde o próprio Moisés teria vindo remover a proibição da necromancia (proibição essa instituída em Deuteronômio 18:9-12 e Levítico 19:26).
Primeiramente, apesar de haver uma aparição de pessoas já falecidas, a transfiguração foi um evento sem paralelo ou ocorrência múltipla, único em si próprio, assim como diversos outros acontecimentos bíblicos. Em segundo lugar, estes apareceram fisicamente, em carne e osso, e não apenas através de vozes ou cartas psicografadas, e os próprios apóstolos se questionaram se deveriam armar barracas para os dois profetas
Mas a Bíblia realmente teve uma sessão espírita completamente válida, e é a sessão espírita onde Saul consultou o profeta Samuel (I Samuel 28:5-20), onde Samuel foi retirado à força da chamada “mansão dos mortos”, ou “limbo”, e levado para responder as perguntas de Saul, que foi punido com a morte por isso.
Conclusão
Apesar de óbvia, a resposta à necromancia espírita é a negação. Não há como praticar o diálogo com os mortos sem infringir uma proibição bíblica, e não há como cumprir plenamente os mandamentos divinos ao praticar invocação dos mortos, pois os preceitos bíblicos e a natureza das sessões espíritas são mutuamente excludentes. A reinterpretação das proibições bíblicas contidas na lei moral como sendo relativas unicamente a um período não se sustenta biblicamente e não possui qualquer tipo de respaldo bíblico ou histórico, visto que os pais apostólicos, como Irineu de Lyon, já condenavam logo nos primeiros séculos cerimônias esotéricas envolvendo, entre outras coisas, diálogo com os mortos.
Portanto, diante das evidências apresentadas, conclui-se que a necromancia, conforme praticada pelo espiritismo, não está de acordo com os preceitos bíblicos previamente estabelecidos e representa uma clara violação da lei moral. É imperativo que o cristão médio compreenda tais proibições, sua natureza e quaisquer eventuais alterações na lei moral para que não caiam em engodo. Caso você esteja ciente de tais elementos, e, mesmo assim, desejar se tornar espírita, não se preocupe, esta publicação não é para você. No entanto, caso você tenha sido convidado a participar de tais práticas esotéricas após ter ouvido sobre a relativização dos preceitos bíblicos, é mandatório ter tais pontos em mente, para garantir uma escolha livre de qualquer engodo, e seja capaz de tomar sua decisão por si mesmo.
A paz de Cristo.
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